terça-feira, 2 de agosto de 2011

Final Feliz

Já no final das férias, reli alguns textos que escrevi e achei essa crônica. Ela foi publicada no Caderno Vale Viver, do Jornal ValeParaibano,em 2006.

Final Feliz



Todo mundo deve ter na família um parente que é apaixonado por novela, eu tenho vários e a minha irmã é um deles.

Outro dia, parte da família resolveu visitá-la na hora da novela das 20h, da TV Globo, eu só fiquei observando. Sem perder o rebolado, ela ajeitou a mesa do jantar, conversou, cuidou da filha e, ao mesmo tempo, continuou ligada na telinha.

Quase normal se, de vez em quando, tentando disfarçar a irritação, não pedisse pra gente falar um pouquinho mais baixo porque ela não estava conseguindo ouvir o que os personagens diziam. “Pô, deixa isso pra lá, só hoje!”. “Como deixa isso pra lá? A novela tá ótima”.

Em minutos, ela mudou todo o nosso papo pra contar o drama da Maria e da Nazareth e precisei concordar que a história era realmente dramática, daquelas que prendem a atenção. Foi quando apareceu a cena em que uma personagem descobria que era lésbica, estava apaixonada por sua melhor amiga.

Como em todo romance que se preze, a linda mocinha começou a chorar e acabou a noite de pileque num bar. Concentrados, quase hipnotizados, líamos seus pensamentos: Meu Deus, como isso foi acontecer? O que faço agora? Eu devo ser um monstro?

O drama paralisou a sala, todos de olho na cena e só acordamos do transe quando entrou o comercial. A minha irmã foi logo dizendo: “Ah...isso não é normal, muito esquisito. Só de pensar...Deus me Livre!.

Minha mãe, claro, aproveitou para soltar aquela velha frase: “Se fosse a minha filha nem sei o que faria”.

Fui pra casa e fiquei pensando no quanto é difícil ser diferente numa sociedade tão cheia de regras.

Numa cidade pequena, como a que eu vivo, onde todos se conhecem, se esbarram na fila do banco, na padaria, no supermercado, é preciso muita coragem para lutar contra a intolerância e tentar se feliz.

Engraçado que depois disso fiquei reparando em quantos casais homossexuais eu vejo caminhando nas ruas de mãos dadas, nos comentários que as pessoas fazem de uma mulher que traiu o marido ou de um senhor que largou a esposa para ficar com uma jovem.

Percebi que o maior prisioneiro do homem é o próprio homem. Não existe algema ou corrente capaz de dar um nó mais cego, mais firme, do que a palavra e o olhar de acusação e desprezo.
Até quando as pessoas continuarão sendo condenadas tentando descobrir como ser feliz?

Enquanto andamos pelas ruas, dirigimos nossos carros, levamos os filhos pra escola, quantas e quantas vezes aprisionamos nossa alma, com medo de que ela nos traia e que todos fiquem sabendo o quanto somos imperfeitos.

Quem nunca sonhou com um amor impossível? Quem nunca desejou jogar tudo pro alto? Quem nunca sonhou viver intensamente, loucamente, absurdamente livre?

Porque, então, quando uma pessoa resolve assumir seus sonhos, seus desejos secretos e transforma tudo em realidade achamos isso uma loucura, coisa de gente irresponsável ou doente da cabeça?

“Você fala umas coisas...”, disse a minha irmã.

Pode ser, mas acho que nessa vida o que vale a pena é o final feliz.

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