Eu já tive a minha segunda chance e faz algum tempo, mas não
estou convencida de ter feito a escolha certa.
Optei pelo que considerei mais seguro na época, uma cidade
pequena (outra vez!), um emprego que me desse segurança (outra vez!) e, veja
que impressionante, eu cheguei exatamente ao lugar onde já estive.
Como poderia ser diferente, não é? Seja como for, eu estou
esperando na fila dos desejos a minha terceira chance de fazer tudo novo de
novo.
Fila de desejos não é a fila de necessidades, ou seja, eu preciso
mesmo esperar.
Às vezes eu simplesmente fecho os meus olhos e me afasto por
alguns momentos dessas manhãs cinzentas e frias, dessas quintas-feiras de
outono, onde tudo é tédio ou tristeza.
Eu me desloco até a porta de um café em Paris. A manhã está radiante
e eu estou pensando se devo sentar e pedir um cafezinho ou se peço logo um
emprego como garçonete.
Eu poderia trabalhar ali e ser feliz. Todas as manhãs, antes
do início do expediente, eu ficaria observando a rua, com um cafezinho nas
mãos, torcendo para que o primeiro cliente fosse uma pessoa ensolarada.
Nós falaríamos do trânsito horrível na Champs- Élysées, de
como os macarrons na Ladurée estavam cada vez mais cosmopolitas e menos
tradicionais, com suas receitas amalucadas, apesar de continuarem incrivelmente
deliciosos.
E, nesse papo açucarado, teríamos que reclamar da invasão
dos chineses pelas ruas de Montmartre, mas antes de nos despedirmos, com um
sorriso disfarçado nos lábios, nós teríamos a certeza de que o dia seria
perfeito.
Os nossos pesares seriam perfeitamente aceitáveis por nós.
Enquanto eu recolhia as xícaras, eu poderia ver outro cliente
entrar no café. Pelo jeito de se vestir e as olheiras embaixo dos olhos, eu
estaria certa que se tratava de um artista.
Eu estava certa, era um escritor ainda desconhecido e,
através de suas idéias ainda nebulosas, ele alimentaria o meu dia com histórias
sobre um novo mundo, me faria rir com uma ideia louca e, ao ir embora, eu
sentiria que aprendi com ele sobre um jeito diferente de viver.
E, no finalzinho deste dia, uma moça loira e com batom
vermelho também entraria no café. Com os olhos brilhando, eu poderia ver que
ela não conseguia disfarçar a ansiedade. Talvez esperasse encontrar alguém?, eu
pensaria.
Ela escolheria uma mesa no canto e ficaria um tempo olhando
ao redor, antes dos seus olhos me procurarem e pedir um café.
Eu levaria o café até ela e me afastaria para observá-la.
Não demoraria muito para um jovem sentar ao lado dela e os dois começarem a se
beijar. Seriam beijos apaixonados, escandalosos e inadequados. Eles só parariam
para tomar um fôlego e depois tudo recomeçaria.
Eu afastaria os meus olhos daquela cena, me sentindo um
pouco intrusa, para que o amor contido naquele beijo pudesse se espalhar por todos
os cantos do café, da rua, da cidade e do mundo.
Ah...como seria bom! Eu pensaria.
E daí que o amor possa inconveniente ou inapropriado? O amor
é o que é.
E, com isso em mente, no final de mais um dia, eu estaria
ansiosa para voltar para casa e beijar muito o meu marido e os meus filhos.
Antes ainda daria uma volta no carrossel de Montmartre,
subiria correndo as escadas da Basílica de Sacré Coeur (ufa!) e lá de cima soltaria o meu
cachecol na esperança de que outras pessoas pudessem ter uma terceira chance de
recomeçar...
Uma pena que isso seja apenas um devaneio, eu ainda aguardo
na fila dos desejos a terceira chance de recomeçar a vida em outro lugar.
De tanto imaginar como seria, eu às vezes chego a me
conformar com um futuro imaginário. A imaginação não machuca, não abandona e
não sente fome e não tem limites.
Talvez eu esteja
sendo protegida de mim mesma. Talvez eu seja uma sonhadora perigosa, kkk.
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