quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Uma gota d’água no coração



Ela ficou ali, parada por alguns segundos que pareceram horas, ouvindo a torneira da cozinha pingar. Um pingo atrás do outro... e, muitos outros depois, decidiu que era hora de fazer alguma coisa antes de enlouquecer.





Pensou em mudar de lugar e ir sentar-se bem longe dali, onde o barulho do pingo d’água não pudesse atormentá-la.
E, assim, começou a pensar nos cômodos da casa como esconderijos, analisando um a um, com tal cuidado, que daria inveja ao mais imaginativo dos espiões.
Friamente descartou todos os cômodos próximos da cozinha, sala, escritório, lavabo e até a varanda.
Olhou para a escada e percebeu que lá em cima estaria mais segura.  
Assim, ela chegou ao seu quarto, deitou-se na cama, encolheu- se o mais que pode e escondeu a cabeça embaixo do cobertor.
Para o seu desespero, o som da gota d’água parecia ter subido a escada junto com ela e, pior, agora parecia estar dentro dela.
A inocente gota d’água tomou conta do seu coração. O seu coração não batia, ele se afogava.
De gota em gota, surgiu um rio com fortes correntezas e os seus sentimentos mais profundos começaram a vir à superfície, abrindo antigas feridas.
A água continuou a percorrer o seu corpo até os seus olhos, ela não conseguia parar de chorar. Era um choro interminável.
Com a visão encharcada, ela tentou se levantar e depois de muito esforço, que durou dias ou meses, decidiu subir ao telhado da sua casa.
Era um lugar tão perigoso para alguém que se afogava em um rio formado por milhares de gotas d’água...
Mas, foi ali, quando sentiu finalmente o perigo, que ela percebeu o que deveria fazer para esvaziar o seu coração, enxugar os seus olhos e parar de dar atenção apenas ao som que estava atormentando-a.
Sim, ela precisava de ar. Precisava desesperadamente de ar.
Respirou fundo. Rezou para o vento, pediu que viesse de mansinho, que fizesse o rio de gotas d’água evaporar e que tudo voltasse ao normal.
O vento veio, fez o seu papel e na despedida deixou um bilhete:

“NÃO FUJA. CONSERTE A TORNEIRA”.  E foi isso o que ela fez. 

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