Tata Kajalacy e Janaína Figueiredo são pai e filha, que juntos buscam novos caminhos para despertar a nova geração para importância de entender e valorizar a cultura africana como forma de combater o preconceito, principalmente o religioso.
Há tempos, eu acompanho o trabalho dessa dupla através da Acubalin (Associação de Cultura Banto do Litoral Norte), responsável pelo projeto Nkisi na disápora: raízes religiosas banto no Brasil, que criou um material didático e multimídia, composto por filme documentário e um livro educativo, para servir como instrumento de apoio para os professores das escolas públicas.
O livro “O Fuxico de Janaína” é a nova aposta da dupla e surge em uma época muito propícia, quando assistimos a humanidade caminhar para o abismo devido à falta de tolerância entre os povos.
O livro, publicado pela Editora Aletria e ilustrado pela artista visual, Paulica Santos, faz uso de uma linguagem lúdica, voltada para o público infanto- juvenil, para contar as lendas e mitos da cultura africana, resgatando um tempo em que o homem entendia que era uma parte do todo que o rodeava.
A história do livro gira em torno de Janaína, filha de Kaitumba, dona das águas salgadas, e de Matamba, senhora dos ventos. Menina-moça, de duas naturezas, Janaína oscila entre a calmaria e a tempestade.
Para falar sobre o livro, eu convidei a historiadora Janaína Figueiredo para uma entrevista. Ela arrasa, sempre! Veja o resultado.
Encantes – Como surgiu a ideia de escrever um Livro infantil
sobre o tema do candomblé?
Janaína - O livro traz a primeira narrativa mítica escrita
do candomblé angola. Muito se escreveu sobre os mitos e ritos yorubanos dando
maior visibilidade aos orixás, mas nada ainda foi publicado trazendo em cena os
inkisis e com eles a participação dos
povos bantos no Brasil. Apesar de ser unânime entre pesquisadores
brasileiros quanto à contribuição desses povos na formação da nossa língua e
cultura ainda são invisibilizados pela "orixalização" da cultura
negra.
Encantes – Conta um pouco sobre a história.
Janaína - A ideia surgiu durante a minha pesquisa de
doutoramento em que estudo a nação angola no litoral sul paulista. Eu percebi
que as narrativas míticas do candomblé angola estavam muito no campo da
oralidade, o que é muito interessante. Mas, dificulta o trabalho em escolas por
exemplo. Eu sistematizei junto com Tata Kajalacy essas narrativas tendo como
ponto de partida o meu próprio nome: Janaina. A minha experiência com as
diversas e diferentes versões míticas desse nkisi chamado Janaina, somado às
minhas lembranças em viver em terreiro de angola ajudaram a construção do
livro. Assim, o livro foi tecido por várias vozes do angola costuradas por Tata
Kajalacy, o narrador dessa história. Vale lembrar que foi fundamental as
ilustrações de Paulica Santos. Essa ilustradora entendeu muito a proposta em
traçar os inkisis dos mares (Janaina e outros) sem antropormofiza-los. Os
cabelos para mim eram simbólicos, cabelos que são os movimentos dos mares.
Encantes – Foi complicado escrever o livro a quatro mãos,
com o seu pai, como foi a divisão das tarefas?
Janaína - Não, não foi. Eu fui apenas uma interprete dos
saberes de meu pai, assim como, das minhas próprias lembranças. Esse mito fluiu
ao sabor das recordações de pai e filha. Ora, se aproximava mais do meu tempo e
vivência, ora, dos saberes e lembranças de meu pai. A maior dificuldade foi
manter a marca da oralidade. Fiquei muito entre um texto literário e as
características da oralidade. Nós não queríamos que essa marca se diluísse, mas
correríamos o risco das pessoas não gostarem, já que para muitas pessoas é um
campo desconhecido.
Encantes – O nome da personagem principal é igual ao seu.
Isso foi coincidência ou a história da personagem é baseada também em algum
fato real da sua infância?
Janaína - Meu pai diria que coincidências não existem,
rsrsrs. Janaína é uma divindade cultuada no candomblé angola e meu nome foi
dado por conta do meu pertencimento nesse universo. Meu pai narra que quando eu
nasci o mar estava furioso com raios e trovões o iluminando. Era o cenário de
Janaína. Então quando meu pai me viu pela primeira vez na maternidade soube que
eu era filha dessa Divindade, daí meu nome. Escrever sobre Janaina me deixou
mais a vontade, pois toda a minha trajetória eu mantive contato com esse mito.
É um mito que se entrelaça com a minha própria vida e lembranças.
Encantes – Que tipo mensagem esse livro deseja passar para
as crianças ?
Janaína - Muitas mensagens, mas sobretudo a ideia de
diversidade. Esse livro permite à criança entrar em contato com um universo
cultural completamente diferente, com uma visão e saberes distintos desses
ocidentais em que somos criados e nos quais nos formam. Também permite
compreender o respeito à natureza como um valor que estruturou, no passado,
algumas sociedades e culturas africanas. Nesse livro percorremos pelo universo
banto resignificado no Brasil.
Encantes – Quanto tempo vocês demoraram para finaliza-lo e
quando será o lançamento ?
Janaína - Demoramos dois anos para terminar e finaliza-lo.
Lançamos no Rio de Janeiro e São Paulo.
Encantes – É mais desafiador escrever um livro para criança
do que para adultos?
Janaína - Não sei dizer. Mas é muito instigante porque as
crianças tem uma forma de compreender o mundo diferente. Eu tenho outros livros
que serão lançados para crianças em 2016, não consigo parar rsrsrs.
Encantes – Após o lançamento do livro, existe expectativa de
transformá-lo em uma peça de teatro ou outro tipo de material lúdico e didático
?
Janaína - Ainda não pensamos nisso, mas estamos negociando
formação de professores tendo como base o livro.
Encantes – Você acredita que as crianças que vão ler o livro
passarão a ter um olhar diferente, menos preconceituoso, para a religião
candomblé ?
Janaína - Sim, acredito. E essa foi uma das motivações. Em
um mundo que clama pela diversidade e tolerância, mas que aumenta cada dia as
agressões e conflitos religiosos, me parece oportuno que se fale, se escreva
sobre isso. Precisamos esgotar o debate. A literatura é livre para tratar o que
for e da forma que for, mas pode ser uma boa metáfora ou pretexto para se
pensar a vida e os dilemas humanos.
Encantes – Onde as pessoas poderão encontrar o livro. Deixe
uma mensagem para os leitores do Blog.
Janaína - O livro está disponível nas livrarias: Cultura, Saraiva e
Livraria da Vila em São Paulo. Também no site da editora Aletria: www.aletria.com.br.
Para crianças acima de 09 anos, pesquisadores, educadores e
demais interessados o livro “O Fuxico de Janaína” traz um Brasil pouco
conhecido e saberes que nos leva a pensar a relação entre o humano e o mundo.
Para todos e todas: um mar de felicidades!
Cantiga
Nas ondas da praia Nas ondas do mar
Quero ser feliz
Quero me afogar.
Nas ondas da praia
Quem vem me beijar?
Quero a estrela-d'alva
Rainha do mar.
Quero ser feliz
Nas ondas do mar
Quero esquecer tudo
Quero descansar.
Manuel Bandeira
Estrela da Manhã, 1936
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