O livro “A Guerra do Fim do Mundo, de Mario Vargas Llosa,
possui 606 páginas, mas após terminar a leitura a sensação é de ter feito uma
viagem ainda mais longa até as profundezas de um Brasil, onde a secura da terra
parece sobreviver graças ao líquido derramado, misto de sangue e suor, das
pessoas que teimaram em viver ali.
O autor narra a Guerra de Canudos através da saga de seus
principais personagens, o que faz com que a história fique muito interessante,
ainda mais porque eles são todos anti- heróis, pessoas de sentimentos intensos,
nem sempre bondosos, nem sempre ruins. Seres humanos curtidos pelo sol do
sertão.
Você não vai ler a história, você vai vivenciá-la. Prepare-se
em alguns momentos para perder o fôlego ao tentar acompanhar os passos largos
de Antônio Conselheiro pelas vilas esquecidas do sertão.
E para ficar sem respiração diante de cenas de terror
protagonizadas por homens como Pajeú, Taramela, João Abade e João Grande,
movidos a honra e vingança.
A Guerra de Canudos ocorreu durante a mudança do sistema
de governo, da Monarquia para a República. Antônio Conselheiro, que já tinha
fama de santo pelas vilas do sertão, orientou o seu povo a não pagar impostos
ou usar a moeda nova.
O motivo de não concordar com a República é devido à
instituição do casamento civil. Na opinião do Conselheiro, o casamento só
poderia ser reconhecido pela igreja.
Mas, o que poderia ser tratado pelo governo republicano
como um caso de fé e loucura, ganha uma nova dimensão quando forças políticas
se aproveitam da situação para conquistar o poder no Brasil, transformando o
conflito em uma guerra de interesses envolvendo, inclusive, outros países.
Antônio Conselheiro, com o objetivo de proteger o seu
povo, constrói uma cidade fortificada – Canudos – e organiza um exército de
esfarrapados, fiel e disposto a morrer pela causa santa.
Nada muito diferente do que ocorre ainda hoje em outros
países, mas saber que aconteceu no Brasil, onde costumamos nos referir ao povo
como pacífico, é meio surreal.
Após a leitura do livro, eu questionei o motivo da Guerra
de Canudos não ter um espaço maior de discussão nas salas de aulas e a falta de
livros sobre o assunto.
Foi uma batalha sangrenta, com milhares de mortos e
parece não ter ganhado a relevância merecida. Talvez, por ter ocorrido em um
lugar miserável e os mortos já estarem meio mortos quando tudo ocorreu. O que em
minha opinião está longe de ser uma boa justificativa.
O autor começou a escrever esse livro em 1977, depois do
sucesso com o romance “Tia Julia e o
escrevinhador”, e terminou apenas em 1980.
Em vez de usar memórias para compor uma história de forte
veia cômica, ele decidiu recontar a dramática história da Guerra de Canudos,
impressionado pela leitura, alguns anos antes, de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha.
Para escrever o livro, Llosa fez exaustivas pesquisas em
arquivos históricos e viagens pelo sertão brasileiro.
O resultado é um livro inesquecível, um épico moderno
sobre Antônio Conselheiro e um dos conflitos mais sangrentos da história brasileira.
Após ler o livro você vai perceber que o "fim do mundo" é logo ali.
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