Atenção: Esse texto é uma mea culpa deslavada.
Por Daniela Carvalho
Aconteceu há pouco tempo, quando eu passei por uma fase complicada
e precisei tomar muitas decisões que me deixaram bastante ansiosa e insegura.
A princípio, resignada, eu fui lidando com as situações: a cirurgia
da minha filha, a tensão das provas de vestibular do meu filho, o assalto a
minha residência, internação da minha avó e as chatices eventuais do dia a
dia.
“A vida vem em ondas, como o mar, num indo e vindo infinito”,
como diz a música interpretada pelo Lulu Santos.
Pensando agora acho que durante todo o tempo em que eu
estive envolvida por esses acontecimentos, remando de frente ao mar revolto,
esse tal de infinito foi o que mais pesou porque eu gosto de ter o controle,
adoro prazos.
- Vai doer, vou chorar, sentirei saudades, vou ficar com medo? Ok, mas até quando?
Definitivamente, convivo mal com os infinitos, mas durante o
tempo em que as ondas me reviraram dos avessos, eu continuei firme.
Ao escrever isso, me lembrei de quando era mais jovem, metida
à surfista (o que desde o início se mostrou um grande equívoco!), um dia
resolvi arriscar e entrei em um mar bravo, com ondas enormes.
Então, eu comecei a remar de frente para as ondas com toda a
minha coragem e prepotência, mas eu fui ficando cada vez mais cansada e quando
percebi estava levando muitos “caldos”, gíria que para minha geração
significava ser derrubada pelas ondas até quase se afogar.
Após afundar três ou quatro vezes, beber litros de água
salgada, eu lembro que ouvi o meu amigo gritar:
- Daniela, sai do mar. Você vai morrer!
Eu saí meio humilhada, é verdade, mas saí.
Naquela época, tão jovem, eu ainda não tinha me dado conta do
quanto eu era privilegiada por sair dali, pensando apenas na minha
sobrevivência e nada mais.
Aliás, eu não tinha me dado conta de um monte de coisas, por
exemplo, que algumas vezes eu escolheria me afogar em lágrimas, mas mesmo assim iria preferir o mar revolto que se tornaria a minha vida, indo contra tudo e todos.
Mas, naquela época, eu era muito jovem para pensar nessas
coisas.
O mar, a vida, a passagem do tempo, os restos na areia, as pessoas queridas, a saudade da infância, o tempo de construir, os castelos de areia, a evolução do ser, a história que passa de pai pra filho...
Se o jovem não tem noção das tempestades que poderá enfrentar,
quando envelhecemos aprendemos a aguardar o arco-íris, que sempre aparece
afinal de contas ou apesar dos pesares.
Mas...
Isso não quer dizer que eu passei pelo mar bravo sem fazer
um pouco de drama. Ora, essa sou eu!
E se eu já sou meio dramática sem motivos, imagina quando
existem motivos. Medo, angústia, dúvida, cansaço, etc...
Sobra mesmo para quem está mais perto, neste caso, o meu
digníssimo marido.
Enquanto estava passando por esses momentos confusos e
angustiantes, eu me segurava o tempo todo para não ser grossa ou injusta, eu
fui simpática com um monte de desconhecidos, muitos que mereciam um chute na
canela, em compensação, com o meu marido eu me comportava mal.
Nos dias em que fiquei fora de casa, eu não liguei para ele
nenhuma vez. Não que eu não sentisse saudades, sentia sim e como!
Mas, por uma razão que vem de alguma parte obscura, eu não
liguei.
E quando ele me ligava para saber sobre as crianças e sobre
mim, eu respondia de forma curta e grossa, com a minha melhor voz de
fuzilamento.
No final, eu tascava algumas perguntas cheias de más intenções:
- E você, o que fez hoje? Foi na academia? Correu?
Pra quem ainda não sabe, o meu marido – ao contrário de mim
– é um atleta. Ele sempre vai à academia, chova ou faça sol, então, eu já sabia
que a resposta seria sim.
Mas, eu perguntava do mesmo jeito e por quê?
Ora, eu só queria ouvi-lo responder que sim, como se isso
fosse condená-lo a pior marido e pai do mundo!
Ó... aquele drama que toda mulher casada e recalcada sabe
fazer!
Horrível isso, mas é verdade. No fundo, eu queria que ele se
sentisse mal por mim.
Não percebi logo o que eu estava fazendo, felizmente eu
tenho um marido mais equilibrado do que eu e que não se deixa abater por
qualquer coisa que eu diga.
Por isso, estou com ele. kkkk
Mas, eu percebo agora que o meu recalque tinha uma razão
pior: eu estava com inveja dele. Pensei em usar o termo “inveja branca” para
aliviar pro meu lado, mas não.
Desde quando a palavra branca torna a inveja
mais aceitável? Inveja branca, preta, azul, vermelha é uma merda.
Eu nutri um sentimento ruim, amargo e rancoroso pela pessoa
que eu amo de paixão.
Por isso, depois disso eu estou mais atenta. O amor não nos
deixa imune à inveja.
Nós idealizamos o amor, como se fosse um sentimento superior
e estivesse imune a inveja, rancor, dor de cotovelo, mas isso é coisa para os
santos.
Os seres humanos não são tão perfeitos a esse ponto.
Quem ama é capaz de coisas boas e ruins, a diferença é que consegue perdoar com mais facilidade. No limite do
bom senso, claro!
É importante estar atento para não desistir de
algo que se quer muito por causa de comentários de alguém que te ama, conhece muito bem, sabe o seu ponto mais fraco e está mordido de inveja.
Feita a mea culpa, gostaria de dizer que nunca mais sentirei
inveja do meu marido, que a partir de agora serei uma pessoa melhor e só serei
grata a tudo, blá, blá, blá..., mas não estou ainda neste nível.
Não posso prometer que serei perfeita daqui pra frente, mas que
oferecerei à ele e às pessoas que eu amo o melhor de mim.
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