quarta-feira, 8 de março de 2017

Eu e Ele




O primeiro homem da minha vida me ensinou a ser forte.
Eu tinha que estar sempre atenta ao olhar dele para tentar me antecipar a rajada de emoções que ele disparava sem qualquer aviso.
E, foi assim, que eu aprendi a ser também uma observadora do comportamento humano.

De tanto fazer isso, me tornei uma “quase” especialista no olhar dele.
Se ele está com um olhar parado, quase fechado, eu sei que está bravo.
Quando ele está feliz, tem um olhão. Bem grande e iluminado, um olho que se transforma em sol.
Não digo que decifrei o olhar dele, mas cheguei perto. Ele ainda tem olhares que me confundem.
Quando eu era mais jovem não era fácil ser eu mesma quando ele estava por perto.
O meu jeito de ser o irritava e eu podia sentir. Sentia na pele a vibração do ar irritado, eu juro que sim.
Passei a não esperar pela aceitação dele, mas confesso que isso eu ainda não consegui, estou bem longe de ser indiferente a ele ou a qualquer outra pessoa.
Mas, o primeiro homem da minha vida me ensinou que apesar de eu não ser perfeita, posso ser amada.
Porque apesar dos olhares e da irritação nunca faltou amor. 
Nós somos dois espelhos, refletimos a imagem um do outro, mas quebramos quase sempre que nos esbarramos com força. 
Entre nós, tudo precisa acontecer na base da sensibilidade e com delicadeza na voz e nos gestos.
Eu só fui aprender isso muito mais tarde. O primeiro homem da minha vida me ensinou a me aproximar das pessoas devagarzinho para não me machucar.
Ele não me ensinou de um jeito simples, não foi tolerante ou educado.
Mas, ele foi presente todos os dias, tardes e noites.
A minha vida girava ao redor dos olhos dele, mesmo quando eles não estavam olhando pra mim.
E, numa manhã, lá estou eu, na Câmara Municipal, falando na tribuna, ocupando um lugar que já foi dele.
Um lugar com o qual eu nunca sonhei estar. Um lugar que me despertava respeito e medo.
Mas, além de estar lá, eu estava recebendo um prêmio por ter me destacado como funcionária do mês e me sentia feliz.
Eu sabia que teria que falar alguma coisa e estava tranquila, mas quando olhei para os rostos das pessoas eu me lembrei dos olhos dele.
As lágrimas vieram e a voz soou como se estivesse se afogando. Fui tomada pela emoção, como tenho certeza que ele seria também se estivesse no meu lugar.
Somos dois chorões.
Às vezes me pergunto como a vida pode fazer isso conosco?
Traçou duas retas paralelas e iguais por onde nós dois caminhamos sem nos encontrar a maior parte do tempo e sem perceber nos conduziu para o mesmo lugar e eu, sem saber, estava seguindo os passos dele.
Sinto como se ele tivesse me preparado a vida toda para isso.
Talvez, na infância, ele tenha sentido falta de um par de olhos enfezados para torna-lo mais forte e observador.
Talvez só quisesse ser para mim o que faltou a ele.
Hoje estamos quites. Eu sei que ele está feliz com os rumos da minha vida. E eu estou feliz por ele e por todo o resto.
Ele é leitor voraz dos meus textos, evito imaginar os olhos que ele deve fazer quando lê o que eu escrevo.
Mas, às vezes, quando deixo de postar por muito tempo, ele cobra.
Por isso, tenho escrito para ele, mas sem pensar nos olhos dele.
Novamente trocamos de papel porque no passado quem sempre me escrevia era ele, a escrita dele era sempre mais bonita do que a fala.
Durante a vida tive ao meu lado um homem que é perfeito na sua imperfeição.
 O meu pai me tornou observadora, forte e cuidadosa, o tempo todo em que foi o meu espelho e a minha rua paralela, agora é o meu leitor mais amado.
Pai obrigada por me ensinar a ser a pessoa que eu sou e estar sempre ao meu lado,
Parabéns pelo seu aniversário.
Te amo muito e além.
 


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