terça-feira, 28 de março de 2017

Moça, você tem medo da Cuca?


Por Daniela Carvalho

Eu estava caminhando pela rua e um garotinho, com idade entre 4 ou 5 anos, passou pertinho de mim e me fez essa pergunta:

- Moça, Você tem medo da Cuca?

Pode parecer brincadeira, mas aconteceu de verdade.
Logo a mãe puxou o menino pela mão, apertou o passo e num segundo depois os dois voltaram a ser o que sempre foram para mim, antes da intervenção inesperada: dois seres estranhos.
Foi um encontro muito rápido, se é que posso chamar isso de encontro.
Pensando bem foi mais um jeito de dizer “oi” só que em um estilo barroco, com mais rococó, enfim, uma coisa à toa, mas que me fez pensar.
A verdade é que aquela pergunta fez um eco enorme dentro de mim e eu comecei a me perguntar:

- Por que será que ele me fez essa pergunta?

Será que achou que eu estava com cara de quem estava com medo de alguma coisa ou era ele quem estava com medo da “Mãe Cuca” e queria apenas dividir isso comigo em busca de uma palavra de consolo?
O fato dele se referir a Cuca, um bicho papão dos meus tempos de criança, também me causou uma estranheza. Afinal, se dependesse das crianças de hoje, a Cuca “coitada” voltaria para lagoa com o rabo de jacaré entre as pernas.
A Cuca é um dos principais seres mitológicos do folclore brasileiro. Ela é conhecida popularmente como uma bruxa velha e feia, que rouba as crianças.
No Brasil, ela se tornou mais popular por causa das várias adaptações para a televisão da obra infantil de Monteiro Lobato, o Sítio do Picapau Amarelo, onde a personagem era sempre representada por uma atriz com uma fantasia de jacaré de cabelo amarelo.


Mas, isso foi há muito tempo e fiquei surpresa em ouvir um garotinho se referir a ela.
Talvez a mãe desesperada para fazer o filho se comportar invocou esse “bicho papão” lá do passado e o que conseguiu foi apenas despertar a curiosidade dele, que passou a perguntar para todos que encontrava no caminho (eu, inclusive):

- Você tem medo da Cuca?

Essas crianças são espertas e pegam a gente de surpresa.
Na hora, eu não tive tempo para analisar a situação, só respondi:

- Eu não tenho medo da Cuca.

Se ela tivesse esperado um pouco mais, antes de apertar o passo e arrastar o filho pra longe, eu poderia ter me explicado melhor.
Eu teria dito a ele que um dia, quando tinha a idade dele, senti muito medo da Cuca, do Lobo Mau, da Bruxa e que depois, na adolescência, ainda tive pesadelos com o Freddy Krueger, o Jason, de Sexta-feira 13.
Ah! Cada vez que eu superava um medo, a ficção criava outro pior, pior...
Eu sempre fui uma bundona pra filme de terror. Mas, mesmo assim, eu assistia. Eu ia me tremendo toda, mas assistia para acompanhar os amigos.
Fiz isso até perceber que existiam outros amigos que também não gostavam de filmes de terror e que poderia me unir a eles e tudo bem.
Mas, até chegar neste estágio da vida, eu passei tanto medo que a Cuca perdeu força no meu imaginário e eu deixei de sentir medo dela.
Ao ouvir a pergunta daquele garotinho, sabe que eu até fiquei com saudades da época em que me assustava com a Cuca?
Gostaria de acreditar – como um dia eu acreditei – que o pior que pode existir neste mundo é um jacaré fêmea com cabelos amarelos e garras nos dedos como gaviões.

Isso me faz mais corajosa do que aquele garotinho?

Não, apenas sentimos medo de coisas diferentes.




  

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