terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

O que se consegue quando se fica feliz?


Eu pensei muito se deveria escrever esse post.
Primeiro porque sinto que já falei bastante sobre Clarice Lispector e o seu livro "Perto do Coração Selvagem", tema central do Encontro "Todas por Elas na Literatura", do qual eu fui a mediadora.
Segundo porque a Casa Brasileira, organizadora do evento, já publicou em seu site a minha opinião e não quero me tornar uma daquelas pessoas repetitivas.

VEJA A OPINIÃO DA MEDIADORA SOBRE O DEBATE DE JANEIRO DO TODAS POR ELAS NA LITERATURA

É loucura ainda sentir uma quase necessidade de voltar a falar sobre esse assunto. Mas, como não procuro ser normal, só eu mesma, é isso mesmo que vou fazer. 
Louvada seja a sua paciência, mas vou "claricear" mais uma vez.


Quando recebi o convite para mediar o encontro, eu tinha acabado de comprar um livro chamado "Os caminhos de Clarice", um tour pelos lugares onde ela morou no Rio de Janeiro.
Foi uma feliz coincidência ou será que era Clarice se aproximando de mim devagarzinho?
Mesmo assim, eu questionei a decisão da curadora Janaína de Figueiredo.

- Posso perguntar porque você me fez esse convite?
- Você é uma escritora muito forte na região e tem muita bagagem. Para a gente será uma honra te-la conosco.

"Sou mesmo?"
Pensei: 3 Opções.

1 - Se a palavra forte tiver sido dita no sentido de que possuo força física, isso está muito longe da verdade, vou decepcionar.

2 - Se a palavra forte tiver um sentido mais intelectual, por exemplo, uma cabeça boa, equilibrada, também não sou assim, vou decepcionar mais ainda

3 - Se a palavra forte quiser dizer que eu sou uma "escritora famosa na região" ou que eu tenha vendido muitos livros... aí lascou.

Qualquer uma das alternativas acima não condizem com a verdade. 
Eu não sou forte ou equilibrada e vendi pouco mais de 250 livros, o que mal deu para pagar as despesas com a impressão e muito menos me deixaram famosa.
Bagagem? Sim, isso tenho. Com 44 anos, carrego várias bagagens.
Algumas qualquer um pode ver. Basta me olhar para perceber as rugas ao redor dos meus olhos e as as gordurinhas localizadas nas costas e na barriga. Carrego tudo comigo, um peso dispensável, mas fazer o quê?
Outras só o olhar de um especialista que entende de dor no joelho, nervo ciático, coluna e úlcera no estômago podem enxergar. São bagagens incômodas, chatinhas e estão sempre por perto também.
Mas, eu acho que ela não estava falando de nenhuma dessas bagagens... 
Só estou querendo evitar chegar a essas. Postergando, como dizem.
Algumas bagagens são pesadas e difíceis de carregar, confesso, que só quando eu escrevo sobre elas consigo suportá-las com mais leveza e humor.
Eu sou uma mulher de meia idade e a minha bagagem é resultado de escolhas, algumas que eu fiz sem pensar e outras pensadas a exaustão, noites mal dormidas e muitas lágrimas derramadas no travesseiro.
Entrar no “Universo Clariceano” significou abrir muitas dessas bagagens.  
Assim como Clarice, eu também sou jornalista e escrevo crônicas totalmente pessoais. Eu gosto de compartilhar sentimentos e conversar no idioma das emoções profundas e sinceras.
Se algo me aproxima de Clarice Lispector, acho que é isso. 
Ela não gostava de nadar na superfície, mas de mergulhos arriscados por lugares pouco explorados da natureza humana.
Apesar disso, ela disse mais de uma vez que era um mistério para si mesma e que não se compreendia. Será que foi assim até o final?
Será que um dia eu vou me compreender?
Quando alguém novamente me disser "Você é uma mulher forte e com bagagem", eu saberei me reconhecer nessas palavras ou as rejeitarei com veemência por saber exatamente quem sou?

No final do Encontro, após lermos algumas frases do livro "Perto do Coração Selvagem", eu entreguei aos participantes um bilhete com uma pergunta.
Era a mesma pergunta para todos, mas eles não sabiam disso. Pedi que guardassem somente para si.

A pergunta era: - O que se consegue quando se fica feliz?
- Vazio. Amigos. Alegria. Sentimento. Paz...

As respostas foram tão diferentes que ninguém desconfiou que era a mesma pergunta. 

E foi dessa forma que juntos aprendemos que para entender o universo de Clarice Lispector não é preciso ser um intelectual porque não existe uma única resposta para nossas emoções. 

Foi um daqueles momentos que vou guardar para sempre. 

Neste encontro, nós não lemos Clarice, paramos para sentir através das suas palavras.  
  
Agradeço a Casa Brasileira e a curadora Janaína de Figueiredo por acreditarem que eu seria capaz de mediar o encontro e todas as pessoas que participaram e dividiram comigo as suas emoções. 

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