Eu fui convidada a escrever essa crônica para falar da cidade onde eu nasci. Um convite irrecusável, tanto que cá estou.
Mas, apesar de ter vivido grande parte da minha vida em São Sebastião, não foi tão fácil encontrar inspiração para essa crônica.
Tudo vinha à minha memória, mas parecia tão simples que eu ficava imaginando se outras pessoas se interessariam em ler.
Lembrei da minha infância na Rua Maria Francisca, no Pontal da Cruz, quando passava mais tempo brincando com os meus amigos do que em casa.
Os meus passeios à Rua da Praia, onde adorava caminhar nas pedras atrás de siri ou brincar nos canhões.
Foi em um dos banquinho desta praça que dei o meu primeiro beijo, escondido dos meus pais.
E o que dizer das noites de Carnaval? Ah! Se essa rua falasse quantas histórias teria para contar.
Apesar de tantas lembranças boas, quando cheguei na adolescência eu queria muito ir embora da cidade.
As ruas me pareciam estreitas demais, as pracinhas perderam o ar divertido e as praias que um dia tinham despertado a minha imaginação e foram palco de várias aventuras já não me atraiam mais.
Muita areia, água salgada, calor...ufa! Eu fui uma adolescente caiçara que sonhava em ser jornalista na capital.
Eu queria a selva de pedra, confusão mesmo, buzinas no trânsito, eu queria viver onde ninguém me conhecesse.
Aqui todos sabiam quem eu era, antes mesmo de eu me apresentar. - Ela é filha do Cleto e da Abigail.
Sim, claro que sou, eu pensava. - Mas, além disso, quem eu sou? Naquela época, isso era tudo que eu queria descobrir.
Nesse tempo, eu já tinha trocado os dias de sol nas praias por um bom livro e uma panela de brigadeiro.
Engordei, claro. Sempre que vejo a minha foto na carteira de trabalho, lembro desta época.
Eu ainda brigo com a minha mãe por ter deixado eu colocar essa foto em um documento que duraria a vida toda.
Será que foi a maneira dela se vingar de todas as minhas chatices e esquisitices da adolescência? Pode ser.
Eu fui estudar em São Paulo e as coisas aconteceram como eu tinha previsto. Lá eu arrumei o meu primeiro emprego de jornalista, casei e tive os meus dois filhos.
Quando eu pensava que nunca mais moraria em São Sebastião, a minha vida deu um nó tão grande que, para começar a desfazê-lo, eu precisei voltar e encontrar o início da minha história.
Voltei para cá por falta de opção, eu confesso.
Ainda hoje eu não sou fã de praia e fujo dos dias de muito sol. Não pratico esportes ao ar livre e me incomoda não ter um cinema decente nesta cidade.
Mas, apesar de não ser perfeita aos meus olhos, São Sebastião é onde está o meu coração.
Aqui estão as minhas primeiras memórias e a minha família.
Essa cidade me recebeu de braços abertos e permitiu que eu me reencontrasse quando eu estava cercada pelo medo e insegurança.
Aqui eu consigo dar uma vida digna aos meus filhos.
Eu abri mão de alguns sonhos quando decidi voltar, mas vivo em paz com as minhas escolhas e na maior parte do tempo eu estou feliz.
Sinto gratidão pela minha cidade, por ter esperado eu amadurecer e passar a olha-la como realmente é, sem o romantismo da infância ou a ilusão da adolescência.
Antes eu via apenas ruas estreitas, hoje sinto aconchego.
Antes eu me incomodava em ser reconhecida por ser filha dos meus pais, hoje isso me dá um tremendo orgulho.
Eu e a cidade ainda temos alguns pontos de divergências, mas isso faz com que a gente não entre na rotina, estamos sempre avaliando os pontos fortes e fracos e crescendo com isso. Também serve para apimentar a nossa relação.
O importante é que, quando estou longe, eu sinto muitas saudades dela. Não importa quantos lugares neste mundo eu já tenha conhecido, eu sempre quero voltar.
São Sebastião não é perfeita para mim, mas é o meu lar.
(Essa crônica foi publicada na Revista Radar Litoral, edição de março de 2019)
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