terça-feira, 17 de setembro de 2019

O Rio de Clarice - Passeio Afetivo pela cidade


Há alguns meses, eu encontrei com a escritora Teresa Montero, autora do livro “O Rio de Clarice - Passeio afetivo pela cidade” para fazer uma viagem no tempo.
Nosso primeiro contato foi por e-mail (oriodeclarice@gmail.com), eu escrevi para Teresa interessada em fazer um tour para conhecer mais sobre a vida de Clarice Lispector.
Teresa realiza esse passeio uma vez por mês, por um valor simbólico e às vezes gratuitos, mas quando entrei em contato isso já tinha acontecido.
Então, decidi agendar um passeio exclusivo. Ela me sugeriu dois roteiros, um mais curto e outro completo. Como eu estava passeando no Rio, com tempo de sobra, optei pelo segundo.


O passeio completo, exclusivo, custou R$ 250,00 (R$ 50,00 cada trecho) + 29,00 (passagens de ônibus/metrô/VLT/táxi) e R$ 15,00 (entrada no Jardim Botânico). 
O valor do tour já incluiu os gastos de passagens e de almoço da Teresa, que somados dá cerca de R$ 70,00.
Nós combinamos de nos encontrar, às 9h00, em frente à bilheteria do Metrô São Francisco Xavier, no bairro da Tijuca. Nosso tour estava previsto para durar 6 horas, mas se estendeu por muito além disso. 


Eu lembro que cheguei cedo a estação de metrô e na hora prevista Teresa apareceu com seu livro debaixo do braço e um bonito sorriso no rosto.
Após as apresentações, nós caminhamos até a Rua Lúcio de Mendonça, no primeiro endereço de Clarice no Rio de Janeiro, em 1935.
Neste ano, ela chegou à capital do Brasil vinda do Recife junto com o pai e duas irmãs. A sua mãe já tinha morrido.


A Teresa me contou que, na época de Clarice, essa rua era cheia de árvores e casas bonitas.
Hoje a casa de Clarice já não existe e em seu lugar foi erguido um edifício.
De lá nós seguimos de metrô para o centro da cidade e depois de VLT chegamos à Praça Mauá.
Nesta praça, fica o Edifício A Noite, o primeiro arranha- céu da América Latina, tombado pelo IPHAN. 


Neste prédio funcionava o jornal A Noite, fundado por Irineu Marinho e mais 13 funcionários. Também ficou conhecido por abrigar a Rádio Nacional.
Clarice trabalhou como jornalista no 3º andar deste prédio, em 1942. A editora A Noite também lançou seu 1º romance, “Perto do Coração Selvagem” (1943). 


Neste tempo, Clarice costumava alugar livros na Biblioteca, situada na Rua Rodrigo Silva, esquina com a Rua da Assembléia. Nós caminhamos até essa rua, mas não existem sinais da Biblioteca.
Mas, é bem possível que Clarice também tenha frequentado esse café, que já estava aí naquela época.

 
Pelo sim ou pelo não, nós decidimos parar e aproveitar o clima do Rio antigo.
Bem próximo desse local, fica a Rua 1º de março, antes chamada de Rua Direita, a mais antiga da cidade.
Nesta rua, ficava o Parlamento Imperial que abrigava, no piso inferior, a cadeia velha, onde Tiradentes ficou preso enquanto aguardava sua execução. 


Por isso, a estátua dele está bem em frente ao edifício, conhecido como Palácio Tiradentes.
Hoje, o edifício é sede da ALERJ (Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro).
Nos tempos de Clarice ali funcionava a Agência Nacional, subordinada ao DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Clarice trabalhou neste prédio, também como jornalista, antes de ir para o Edifício A Noite.
Foi neste lugar que ela conheceu o romancista Lúcio Cardoso, sua grande paixão não correspondida. 


Depois seguimos de VLT até a Rua Moncordo Filho, onde fica a Universidade Federal do Rio de Janeiro, criada em 7 de setembro de 1920. 

Biblioteca da Universidade que existe há 100 anos. Lugar que Clarice chegou a frequentar.
A turma de Clarice inaugurou o curso de direito da UFRJ. Ela estudava à tarde. Foi na faculdade, que ela conheceu seu marido, o diplomata Maury Gurgel Valente. 


Hoje, no refeitório, tem uma placa em homenagem à ela.
Para chegar à Universidade, nós atravessamos o Campo de Santana, um parque inaugurado por Dom Pedro II, em 1880, onde se passou grande parte da história do Brasil. 


Foi neste parque que aconteceram as festas da coração de Dom João VI (1818), a aclamação de Dom Pedro I (1822) e a Proclamação da República (1889).


É um lugar bonito, com fontes e ruas sinuosas, uma linda vista da torre da Central do Brasil com seu imponente relógio. Ele também é famoso pelas cutias que passeiam livremente pelos jardins. 


Então, seguimos de metrô para o bairro do Catete e caminhamos até a Rua Silveira Martins, que fica ao lado do Palácio da República. Em 1940, em plena ditadura de Getúlio Vargas, esse era o endereço de Clarice. 


Após a morte do pai, ela morou com as irmãs na “Vila Saavedra”, onde se instalou no quarto dos fundos da casa 11 para poder escrever o livro “Perto do Coração Selvagem”.
Infelizmente, não conseguimos entrar. Fiz algumas fotos e partimos de ônibus rumo ao Largo do Boticário, no bairro Cosme Velho.


O acesso ao Largo do Boticário se dá por um estreito beco - que passa sobre uma pequena ponte sobre o rio Carioca. 



O espaço é envolvido pela Mata Atlântica e abriga casarões em estilo neocolonia que ainda impressionam, apesar de estarem em completa ruína. 


Clarice costumava ir lá quase todos os domingos para conversar com o amigo Augusto Rodrigues, pintor pernambucano, fundador da escolinha de arte no Brasil.
Segundo a Teresa, a escritora considerava o Largo do Boticário um dos lugares mais bonitos do Brasil. 


 “Quem vê hoje o lugar não imagina que ele tenha sido um polo de novas ideias no campo da educação e da cultura, ponto de encontro de artistas, intelectuais e grandes personalidades nacionais e internacionais”, explica Teresa.
Nossa próxima parada de ônibus foi no Jardim Botânico, onde caminhamos até chegar ao Espaço Clarice Lispector, que fica em frente à lagoa de vitória- régias. 


É um recanto com seis bancos, cada um com uma frase de Clarice se referindo ao Jardim Botânico. 
As frases foram grafadas no formato datilografado nos encostos dos bancos, designer de Antonio Bernardo. 


 
Esse espaço foi criado por sugestão da Teresa, em 9 de dezembro de 2012, e contou com o apoio de muitos colaboradores. 


Segundo Teresa, com a convivência, todos os envolvidos na criação do espaço foram percebendo que tinham alguma ligação com Clarice.
Foi um encontro de almas. Será que Clarice teve alguma participação nisso? Não vamos esquecer que ela era uma mulher cheia de mistérios. 


O Leme foi nosso ponto final e não poderia ter sido diferente. Foi neste bairro que Clarice viveu 18 anos até o dia da sua morte.
Nós chegamos já era noite e Teresa foi me explicando como era o bairro no tempo em que a escritora vivia ali. 


O primeiro endereço de Clarice no bairro foi na Rua General Ribeiro da Costa, no Edifício Visconde de Pelotas.
Aqui ela iniciou um novo ciclo da sua vida: marcada pela volta ao Brasil - desquitada e com dois filhos pequenos - e a retomada da escrita. 
Outro endereço da escritora neste bairro foi na Rua Gustavo Sampaio, no Edifício Macedo, onde tem uma placa em homenagem a ilustre moradora. 


“Clarice demorou 39 anos, cruzou quatro países, duas capitais e diversos bairros cariocas. Quando indagada sobre suas viagens pelo mundo afora, foi categórica: Agora, minha terra é o Leme", me contou Teresa. 


Teresa é conhecida no bairro, ela morou ali durante o tempo em que escreveu a biografia de Clarice.
Por causa disso, conseguimos entrar no prédio onde Clarice morou e mais... subimos de elevador até o 7º andar e chegamos em frente do endereço 701. 



Meu coração batia acelerado, era como se eu estivesse indo visitar uma amiga querida.
Clarice não estava no apartamento, mas a poucos metros dali. 


Eu a encontrei sentada junto ao seu cachorro Ulisses, sentindo a brisa da noite que sopra na praia do Leme. Alguém chegou antes e deu a ela uma flor. Eu, tomada de emoção, tasquei- lhe um beijo. 


Viajei no tempo para conhecer como era a vida da minha escritora favorita, os lugares onde ela viveu, trabalhou, criou os seus filhos e buscou inspiração para escrever.
Se antes eu admirava Clarice, hoje ela se tornou uma referência para mim, não apenas como uma grande escritora, mas como uma mulher de muita coragem.
Obrigada, Teresa, por me proporcionar essa experiência única e inesquecível.

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