domingo, 2 de fevereiro de 2020

Gente Tóxica


Eu estava sentada na sala de espera do médico, esperando a enfermeira vir me chamar para fazer o exame, quando uma senhora entrou e se sentou na poltrona bem na minha frente.

Nossos olhos mal se encontraram, ela disparou:

- Essa chinesada é muito porca, você viu os caras tomando sopa de morcego? Não é à toa que o coronavírus surgiu lá e agora estamos todos em perigo.



(Silêncio)

A minha mãe me ensinou a ser educada com as pessoas mais velhas, o silêncio era eu pensando se devia obedecê-la ou mandar aquela senhora a merda.

Tentei obedecê-la.

(Silêncio PESADO).

- Eles comem cachorro! Como podem fazer isso? É um absurdo. Essa chinesada é muito nojenta.

Bem..., neste momento, o silêncio acabou.

Desculpe, mãe, mas quem se senta com pessoas preconceituosas e ignorantes é igual a elas. Acho que você me entende. Sei que sim.

- Olha, você sabe que existem lugares na China, assim como no Brasil e outras partes do mundo, onde as pessoas não podem escolher o que comer? Elas não são nojentas.

A senhora balançou a cabeça em sinal de negativa e insistiu:

- Nãoooo, eles são porcos mesmo. Bem feito esse coronavírus, quem sabe agora eles param de comer cachorro.

Eu olhei bem para ela, pronta para mandá-la a merda e, nesta hora, eu tive um insight.

Aquela senhora não valia a pena o meu descontrole. Simples, assim.

Eu agradeci por não precisar conviver com ela, além daqueles poucos minutos na sala de espera.

Quando ela se levantou e saiu dali, foi um grande alívio. O pior de tudo é que não consigo esquecê-la.

Nesta semana, tantas coisas boas me aconteceram, a formatura da minha filha, encontros com pessoas realmente humanas e queridas, e a voz dessa senhora ainda me incomoda.

Será que ao falar comigo daquela forma, ela não imaginou que eu poderia ser casada com um chinês?

Na verdade, o meu marido é descendente de japonês. Foi por pouco, dona.

E se eu morasse na China, em Wuhan, onde começou a epidemia, e estivesse apenas passando férias no Brasil?

Se eu estivesse sofrendo pela morte de um amigo que deixei lá ou estivesse com medo de estar contaminada?

Existem pessoas que guardam suas cabeças dentro do umbigo, não é possível. Não se importam nem por um minuto em como suas palavras podem ferir o outro.

É o tipo de gente que joga o lixo pela janela do carro como se ele fosse desaparecer e deixasse de ser um problema seu.

Ou que come carne (porque de vaca, pode né?) e acha ruim com as pessoas que são vegetarianas.

Moramos todos no mesmo planeta, como não se dar conta disso?

Qualquer tipo de separação, seja por continente, país ou apenas por questões culturais é ilusão. De fato, estamos todos juntos neste barco.

Conviver e respeitar as diferenças, cuidando uns dos outros, é o que garantirá nossa sobrevivência.

Às vezes, acho que essas epidemias tem um propósito maior porque faz com que esse tipo de gente preconceituosa e sem noção se revele sem nenhum pudor.

Coronavírus é fichinha, o duro é convivermos perto dessa gente e continuarmos saudáveis.




3 comentários:

  1. Daniela, amei sua postagem...assim como voce não consegue esquecer essa senhora, também estou aqui fazendo uma listinha na minha cabeça de quanta gente eu conheço que tem a cabeça guardada no umbigo e ainda estou fazendo uma lista VIP para muitos que tem o "umbigo" no lugar de "cérebro"...é preconceito, falta de educação...sua mãe entenderá sua indignação, com certeza!...abraço...néria (curso EN FRANCE).

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