quarta-feira, 1 de abril de 2020

De que me serve as palavras?


Tudo o que eu pedi foi tempo para escrever e agora, que tenho todo o tempo do mundo, nada parece importar ou valer a pena.
Qual a importância das palavras quando uma pandemia causada por um inimigo invisível está matando milhares de pessoas pelo mundo?
Não sei se é tempo de enviar mais palavras ao universo e sonhar. Esse tem sido um grande desafio para mim.


O que eu estou fazendo aqui, hoje, em frente a essa tela de computador?
Estou fazendo um esforço para não endurecer e perder o ritmo.
Aprendi a pensar enquanto escrevo, a sentir enquanto escrevo, a encontrar caminhos enquanto escrevo.

O som dos meus dedos no teclado do computador marca também as batidas do meu coração.
O ponto no final da frase e a vírgula entre duas frases que se completam não são simples pontuações, mas há muito tempo indicam minhas respirações, mudanças de direções e encontros comigo mesma.

Eu aprendi a teclar há 25 anos, quando ainda estava na Faculdade de Jornalismo e consegui um estágio como "rádio- escuta", na Rádio Capital, que ficava na avenida 9 de julho.

Naquela época, ainda se escrevia com a máquina de datilografia, não havia computador, e eu ficava "catando milho", o que com certeza não me levaria muito longe.

Lembro que eu tinha consciência de que precisava fazer alguma coisa por mim, caso contrário, o meu chefe faria e não seria algo agradável.

Um dia, voltando pra casa, olhei pela janela do ônibus e vi o anúncio de uma escola de datilografia. Desci no próximo ponto, na avenida Cardeal Arcoverde, e fui atrás do meu objetivo.

Pouco tempo depois, eu estava batendo nas teclas da máquina sem precisar olhar para elas e nunca mais parei.

Os anos passaram, as máquinas de datilografia foram aposentadas, vieram os computadores e eu novamente me adaptei.
Nunca fiquei longe dos teclados por mais de uma semana, estou sempre escrevendo.

Nesta fase, em que a maioria de nós está recolhida em casa por causa da pandemia do coronavírus, eu me questiono se tudo não tem sido uma perda de tempo.

Escrever é solitário e agora eu me recrimino por nunca ter dado importância pra isso.
Os meus pensamentos me fazem muita companhia, mas também ocupam um lugar que deveria ser preenchido por gestos e, principalmente, pela presença dos amigos e da família.

Desculpe, se você leu o texto até aqui achando que eu fosse escrever algo inspirador ou dicas para superar essa crise causada pelo coronavírus.

Já li tanta coisa sobre esse assunto,  notícias, comentários, avaliações, projeções, que acabei decidindo dar um tempo para não surtar.

Eu já vi o suficiente para saber que, dessa vez, não há um cavalo branco que vai aparecer em cena e nos tirar desta enrascada, só podemos contar com nossa própria sorte e seguir a nossa consciência.

Ninguém virá nos consolar, passar as mãos em nossas cabeças e secar nosso choro.

O momento exige que sejamos fortes para assumirmos nossas escolhas e estarmos dispostos à pagar o preço por isso.

Se eu sobreviver, vou sentir orgulho de como estou lidando com essa situação apavorante ou sentirei vergonha? 

É uma pergunta que me faço e sei que a resposta só caberá a mim, eu terei que assumir todas as consequências dos meus atos, palavras e pensamentos. Poderei viver sem sentir dor e em paz comigo mesma? 

Faço parte de um grupo pessoas que pode trabalhar em casa, sem prejuízo no salário. Somos privilegiados, nós podemos sentir medo e ficar em casa. Isso é um tremendo luxo.

Toda manhã eu acordo, respiro bem fundo para saber se o ar está entrando em meus pulmões e para me sentir viva. Nunca o ar me foi tão precioso.

Eu penso em toda essa gente brasileira que está fora de suas casas, sem saber quando voltará a encontrar suas família, só para que nós privilegiados possamos ter comida na mesa.

Não consigo encontrar palavras para descrever o quanto eu sou grata. Essa palavra ainda não foi inventada. 

Talvez eu nunca conheça nenhuma dessas pessoas, mas sinto a presença delas no meu dia a dia e
gostaria de poder dizer a cada uma delas: Muito Obrigada.

Essa guerra contra o coronavírus só terá sentido se conseguirmos depois de tudo perceber que não há um herói que vai nos salvar da nossa falta de consciência.

Não existe alguém capaz de fazer um milagre ou forte o bastante para vencer sozinho a guerra e nos devolver a paz.

Que a nossa sobrevivência depende da nossa capacidade de nos unirmos como um só povo e uma só nação.

Que Deus nos abençoe. 









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