Ela saiu de
casa com o firme propósito de falar o menos possível.
O porquê
disso? Se você tivesse dormido com ela na noite passada não estaria fazendo
essa pergunta, mas ela tinha passado a noite sozinha.
Sozinha não
é a palavra certa. Ela passou à noite muito mal acompanhada por pensamentos
inconvenientes e de manhã estava convencida do quanto sua vida – toda ela – era
inútil.
Todas as
coisas que ela fazia ou dizia não eram importantes e deveriam ser imediatamente
bloqueadas.
Era possível
se transformar em uma pessoa melhor, mas estava convencida de que isso só
poderia acontecer se ela se calasse e passasse a ouvir mais as pessoas ao
redor.
Nesse estado
de espírito, ligeiramente depressivo e em elevado grau de autodestruição, ela
só pensava que deveria ser grata a todos que tinham suportado sua presença e
suas opiniões com simpatia e sem agredi-la.
Estava
cercada por pessoas evoluídas, simpáticas, amáveis...
O mínimo que
podia fazer agora que a sua ficha tinha caído era ficar calada, calar enquanto
era tempo, enquanto essas pessoas ainda não tinham perdido a paciência.
E enquanto
ela seguia de carro até a cidade convicta a falar o menos possível e se
sentindo grata a todos, menos consigo mesma, olhou pela janela e por instantes
viu o mar.
Lá no mar havia
dezenas de barquinhos enfrentando com doçura as ondas de suas vidas como se
estivessem dançando contra a correnteza.
Que forma
bonita de enfrentar a rotina, abraçar o hoje, viver o momento sem querer mais,
sem precisar transformá-lo, sem questionar porque tem que ser assim, sobretudo,
sem se questionar. Ela pensou.
E enquanto
permanecia calada, observando os barcos no seu balé diário, sentiu vontade de
chorar, mas se controlou apertando o volante até seus dedos ficarem brancos.
O mar passou
pela janela do carro.
Já no sinal
vermelho, ela olhou as mãos, viu as marcas do volante e se sentiu muito
inadequada, de forma quase insuportável.
Se tivesse
condições para isso naquele momento, ela se compararia a um tronco de árvore
que é arrastado pela tempestade até chegar uma praia estranha, onde sabe que
vai morrer de solidão.
Mas, no
estado em que ela estava, ah... coitada!
É evidente
que não basta ficar calada, no próximo sinal de trânsito eu vou dar meia volta
e retornar para casa. Foi tudo no que ela conseguiu pensar.
Sim, ela ficaria
em casa, longe de todos, em completo silêncio, apenas ouvindo o mundo ao seu
redor, sabia que precisava aprender a ser outra.
Que outra?
Ela ainda não sabia, mas tinha certeza de que era inútil querer continuar sendo
ela mesma e ser amada por isso.
Estava por
um fio de se abandonar quando, nesse silêncio completo, uma criatura
desconhecida começou a falar dentro dela.
A princípio
era tão baixo que ela quase não percebeu, mas a voz foi insistente:
- Porque
você se preocupa tanto quando ninguém se importa?
A voz foi
ficando cada vez mais alta MAIS alta, MAIS ALTA, ALTA E ALTA, MAIS E AMAIS...
A voz
repetia sempre a mesma pergunta e não parecia disposta a parar até que
conseguisse uma resposta sincera.
O sinal vermelho
abriu.
Perturbada,
a moça ligou o carro sem saber se deveria voltar para casa ou responder aquela
voz estranha que gritava dentro dela.
E, nesse
estado de ânimo, ela não conseguiu sair do lugar.
Os
motoristas começaram a buzinar enlouquecidos, logo surgiu um grande
congestionamento e as pessoas começaram a brigar.
O clima
ficou ainda mais tenso quando uma moto tentou ultrapassar e bateu na porta de
um carro.
Nesse estado
de coisas, alguém teve a ideia de falar com a moça:
- Vai, segue
em frente.
Funcionou.
Talvez ela
só precisasse que alguém lhe dissesse o que fazer. Talvez ela tenha encontrado
a resposta. Talvez nem uma coisa e nem outra.
Quando isso
aconteceu ela olhava para as mãos, totalmente alheia ao caos que havia criado.
A moça voltou
à praia onde há pouco tempo havia avistado os barquinhos e, depois de chorar
suas mágoas, perdoar suas inadequações, tirou os sapatos e dançou na areia ao
ritmo das ondas.
Gostei de
vê-la assim, com suas mãos e pés rodopiando e saltando sobre as conchas da
praia.
Se você
estava naquele congestionamento e quer notícias da moça, saiba que ela já
superou o medo de ser ela mesma, recuperou a autoestima e ainda observa o mar.
continuação:
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