(continuação do conto A MOÇA)
II Capítulo
Foi preciso cair para que visse que não estava sozinha, mas
rodeada por vidas perdidas, diversos tipos de vidas, algumas vivas, outras
mortas e aquelas que, assim como ela, esperavam por respostas.
- Quem são vocês? Ela formulou a pergunta num silêncio
profundo de si mesma.
E para seu espanto começou a ouvir vozes diferentes, altas, baixas,
sussurrantes, infantis e maduras, grossas e finas, vaidosas e tímidas.
- Eu sou uma conchinha! Um caco de vidro! A folha de abricó!
O tronco...
A moça achou que estava ficando louca por que, além dela,
não havia mais nenhum ser humano naquela praia.
- Sim, Sim, Somos Nós.
Todos passaram a responder juntos, criando novamente um
grande alvoroço.
Como estava sozinha, sem ninguém para julgá-la, a moça
decidiu fazer de conta que aquilo tudo era normal e começou a conversar com as
coisas ao seu redor.
Havia um pedaço de vidro azul na areia e ela o tocou.
- Você não deveria estar aqui.
- Onde eu deveria estar?
- Em um lugar onde não representasse um perigo para pessoas
inocentes.
- Quem é inocente? A pessoa que me jogou fora ou o destino
que me trouxe aqui?
- Você ficaria feliz se eu te levasse comigo?
- Você já me leva contigo de diversas formas. No olhar, no som, no espanto. Eu já estou com
você.
Então, com carinho, a moça colocou o vidro no mesmo lugar.
Em seguida, tocou em uma concha branca, branquinha, branquinha.
- Que conchinha mais linda, deve ter muitos admiradores...
- Tenho sim, mas nada substitui a pérola que eu perdi.
- Mas, você ainda pode ser amada.
- Não é isso me preocupa. Eu preciso aceitar que não sou
perfeita, me perdoar e me amar.
Com toda delicadeza, a moça deu um beijo na conchinha e
apertou-a levemente com as mãos para aquecê-la numa espécie de abraço, depois
colocou- a do seu lado.
Ela olhou para cima onde viu a copa de uma árvore cheia de
folhas verdes, por entre elas, atravessava um raio de sol.
Todas as folhas pareciam iguais, bonitas, mas iguais.
- Eu não sou igual
- O que? Quem falou?
- Eu, ué.
A moça estreitou o olhar, mas todas as folhas pareciam
iguais. Então, decidiu perguntar:
- O que diferencia você de todas as outras folhas?
- Meu segredo
A folhinha de abricó tinha um segredo e a vontade de
desvendá-lo atravessou o coração da moça.
Essa seria uma possibilidade. Mas, ela sabia que se fizesse
isso estaria para sempre presa à folha.
A moça se levantou e caminhou até um tronco de árvore que
estava na beira do mar.
Ele era muito pesado e parecia estar partido. Pensou que
poderia sentar sobre ele e olhar o mar.
- Não se sente! Não aja como se eu já estivesse morto. Ainda
tenho esperança.
- Meu Deus, que susto!
- Deus, isso mesmo, Deus! Chame- o, clame- o, busque-o e se
encontra-lo pergunte por que me abandonou?
A moça percebeu que havia muita raiva contida e um coração
de madeira maciça não se abriria fácil com promessas e sorrisos.
Aquele tronco de árvore era uma solidão antiga demais, que
se fechou em si mesma.
A moça não estava pronta para ajuda-lo, ainda precisava
pensar numa forma de conseguir dançar sem perder o equilíbrio.
...todos somos um pouco "a folhinha de abricó" ou a raposa do "Pequeno Príncipe"...um dia alguém se aproxima e nos cativa...amo sua maneira delicada de escrever...mergulho nas palavras...estou amando...beijos!
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