domingo, 23 de agosto de 2020

Uma queda para um novo mundo

(continuação do conto A MOÇA)

II Capítulo



A moça dançou na areia da praia até que num giro, perdeu o equilíbrio e caiu.

Foi preciso cair para que visse que não estava sozinha, mas rodeada por vidas perdidas, diversos tipos de vidas, algumas vivas, outras mortas e aquelas que, assim como ela, esperavam por respostas.

- Quem são vocês? Ela formulou a pergunta num silêncio profundo de si mesma.

E para seu espanto começou a ouvir vozes diferentes, altas, baixas, sussurrantes, infantis e maduras, grossas e finas, vaidosas e tímidas.

- Eu sou uma conchinha! Um caco de vidro! A folha de abricó! O tronco...

A moça achou que estava ficando louca por que, além dela, não havia mais nenhum ser humano naquela praia.

- Sim, Sim, Somos Nós.

Todos passaram a responder juntos, criando novamente um grande alvoroço.

Como estava sozinha, sem ninguém para julgá-la, a moça decidiu fazer de conta que aquilo tudo era normal e começou a conversar com as coisas ao seu redor.

Havia um pedaço de vidro azul na areia e ela o tocou.

- Você não deveria estar aqui.

- Onde eu deveria estar?

- Em um lugar onde não representasse um perigo para pessoas inocentes.

- Quem é inocente? A pessoa que me jogou fora ou o destino que me trouxe aqui?

- Você ficaria feliz se eu te levasse comigo?

- Você já me leva contigo de diversas formas.  No olhar, no som, no espanto. Eu já estou com você.

Então, com carinho, a moça colocou o vidro no mesmo lugar. Em seguida, tocou em uma concha branca, branquinha, branquinha.

- Que conchinha mais linda, deve ter muitos admiradores...

- Tenho sim, mas nada substitui a pérola que eu perdi.

- Mas, você ainda pode ser amada.  

- Não é isso me preocupa. Eu preciso aceitar que não sou perfeita, me perdoar e me amar.

Com toda delicadeza, a moça deu um beijo na conchinha e apertou-a levemente com as mãos para aquecê-la numa espécie de abraço, depois colocou- a do seu lado.

Ela olhou para cima onde viu a copa de uma árvore cheia de folhas verdes, por entre elas, atravessava um raio de sol.

Todas as folhas pareciam iguais, bonitas, mas iguais.

- Eu não sou igual

- O que? Quem falou?

- Eu, ué. 

A moça estreitou o olhar, mas todas as folhas pareciam iguais. Então, decidiu perguntar:

- O que diferencia você de todas as outras folhas?

- Meu segredo

A folhinha de abricó tinha um segredo e a vontade de desvendá-lo atravessou o coração da moça.

Essa seria uma possibilidade. Mas, ela sabia que se fizesse isso estaria para sempre presa à folha.

A moça se levantou e caminhou até um tronco de árvore que estava na beira do mar.

Ele era muito pesado e parecia estar partido. Pensou que poderia sentar sobre ele e olhar o mar.

- Não se sente! Não aja como se eu já estivesse morto. Ainda tenho esperança.

- Meu Deus, que susto!

- Deus, isso mesmo, Deus! Chame- o, clame- o, busque-o e se encontra-lo pergunte por que me abandonou?

A moça percebeu que havia muita raiva contida e um coração de madeira maciça não se abriria fácil com promessas e sorrisos.

Aquele tronco de árvore era uma solidão antiga demais, que se fechou em si mesma.

A moça não estava pronta para ajuda-lo, ainda precisava pensar numa forma de conseguir dançar sem perder o equilíbrio.

Ela se levantou e continuou a caminhar. 

Um comentário:

  1. ...todos somos um pouco "a folhinha de abricó" ou a raposa do "Pequeno Príncipe"...um dia alguém se aproxima e nos cativa...amo sua maneira delicada de escrever...mergulho nas palavras...estou amando...beijos!

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